Discórdia
Uma crônica ficcional escrita no calor do momento da camisa vermelha.
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A reunião de diretoria na corporação multinacional que fabrica uniformes esportivos começou com o DV (diretor de Vendas) apresentando números decepcionantes.
— A queda nas vendas é consistente desde 2023. O desempenho do time não ajuda, mas a questão principal, talvez seja outra. O pessoal que mais comprava a partir de 2015 caiu porque perdeu o estímulo do cenário político. E os que tinham parado de comprar pelo mesmo motivo, continuam não comprando. A camisa ficou muito associada com o grupo rival.
— É uma questão política, então? — pergunta o CEO para América Latina.
— Digamos que é um componente forte, sim — responde o DV.
— E a camisa B?
— A azul e a branca nunca venderam grandes volumes. A principal sempre foi a amarela.
— Talvez a gente tenha de pensar numa camisa de cor de diferente? — propõe o DIP (Diretor de Inovação de Produto). — Uma verde, a cor principal da bandeira?
— É, mas aí associa com aquele time que ganha tudo, o do técnico português — responde o DV. — As torcidas dos times preto-e-branco e preto-e-vermelho jamais vão comprar uma camisa verde. E essas são as maiores torcidas.
— E se fosse vermelha? — sugere o DNM (Diretor de Novas Mídias).
— Vermelha? Isso vai dar uma encrenca danada — responde o DIP.
— Por quê? — pergunta o DNM.
— Essa é justamente a cor da discórdia. O pessoal do “Minha bandeira jamais será vermelha” vai boicotar — responde o DV.
— Vai dar polêmica? Vai ter haters nas redes? Vai dar briga? — o DNM parece maravilhado. — Então é isso! Essa é a cor certa. Quanto mais polêmica, mais gente brigando, mais o algoritmo bomba, mais o produto aparece.
— Quero saber de números — interrompe o CEO. — Vai vender mais?
— Periga todo o pessoal da esquerda comprar — responde o DNM. — E o pessoal da direita é capaz de voltar a comprar a Amarela só pra responder ao aumento de vendas da Vermelha. Imagina se eles entram numa guerra? Qual vende mais? Estou dizendo. Vai bombar em tudo o que é mídia social. Até no Substack vai ter gente escrevendo sobre o assunto.
— Substack? O que é isso? — pergunta o CEO.
— É uma rede, mas não importa. Lá o pessoal só compra livro — responde o DV.
— Mas como a gente vai justificar a cor aleatória? — o DIP banca o advogado do diabo.
— Fácil. O nome do país. Era de uma árvore vermelha. É um dos símbolos nacionais até hoje. Pronto. Tá justificado.
E assim, para aumentar as vendas, a corporação tocou fogo no cenário político, cada vez mais parecido com o das torcidas organizadas.
Fui lendo e imaginando a conversa e não duvido que tenha sido por aí mesmo. Hahahaha. Se ficar a vermelha, eu compro.
Alguma referência à guerra das toalhas (alguém lembra?) kkkk acho que nunca se vendeu tanta toalha como em 2022.