#2 O 'unsweet spot' que me fez fugir para Bali
Naquela idade em que você é velho demais para uma guinada profissional e novo demais para se aposentar, a pergunta que não cala é: e agora?
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A pergunta que mais ouvi desde o anúncio da mudança para a Indonésia: “O que você vai fazer em Bali?”
Eu adoraria brindá-los com um texto humorado e espirituoso sobre o uso de sarongues, cheiro de incenso e vício em pimenta... Seria divertido.
Ao final, porém, todos continuariam sem saber: afinal, o que eu vim fazer em Bali?
A verdade incômoda
Existem as razões práticas, claro. Elas são reais.
De maneira bastante sucinta, estão registradas no "Quem Somos" do site do DESNORTEANDO. Explicam o como e o porquê. A arquitetura racional da mudança. Mas também não respondem à pergunta.
A verdade incômoda? A pergunta "O que você vai fazer em Bali?" poderia facilmente ser reformulado para "O que você vai fazer da vida?".
O “unsweet spot”
A carreira no Jornalismo começou a desnortear lá atrás e eu fiz minhas escolhas. Não me arrependo. Não se trata disso. Durante muito tempo, essas escolhas deram certo. Vivi de frilas e em alguns picos fui obrigado a recusar trabalho.
Até o ChatGePeTo colocar o boneco para escrever.
Com a entrada em cena do pinóquio digital, minha capacidade de gerar renda mergulhou no abismo. De vez em quando surge um frila. Duas, três vezes por ano, mas é só.
A revolução digital me pegou aos 53 anos de idade. Bem naquele momento que alguns autores de língua inglesa começam a chamar ironicamente de “unsweet spot”. Jovem demais para se aposentar; velho demais para uma guinada completa na carreira.
Quando olho para o futuro, a pergunta que resta é: e agora?
Antes de me mudar para Bali, eu me sentia mais ou menos como o abacaxi da foto que abre esta carta. Paradão de boa, na beira da lagoa. A água estava subindo e abacaxi até boia, mas nadar, não nada não.
O lado doce do ‘unsweet spot’
Tudo, porém, tem um lado bom na vida, não é mesmo? Ou pelo menos, dessa crença se alimentam os otimistas.
O lado doce do meu “unsweet spot” é justamente o excesso de tempo entre um frila e outro para fazer o que realmente me fascina: viajar, ler, escrever, educar meus filhos.
Bali me abriu possibilidades que nem passavam pela imaginação:
Viajei e conheci lugares e culturas novas numa região do mundo em que jamais havia pisado.
Criei o desnorteando.com, um site com histórias das viagens transformadoras que temos feito por aqui. (A mais recente é sobre elefantes no Camboja).
Passei a frequentar um clube de escritores na escola dos meus filhos. (O que não falta em Bali é escritor, todo mundo tentando ser a próxima Liz Gilbert).
Iniciei esta newsletter para escrever furiosamente todos os dias. Rain or shine, como dizem por aqui.
Voltei a jogar vôlei uma vez por semana. Puro prazer.
Em breve começarei a publicar minha primeira história de ficção, uma novela de espionagem com personagens brasileiros, ligeiramente baseada em fatos reais e ambientada em Nova York, onde morei há alguns anos. (Parem as máquinas que é furo de reportagem! Vai ser publicada em capítulos. Você ouvirão falar mais disso.)
Agora é a escrita
Por enquanto, nenhuma das frentes que acabo de enumerar está dando dinheiro. Mas isso é detalhe. Investimentos demoram a dar retorno.
Todas elas, porém, me fazem profissionalmente mais feliz. Porque o trabalho que realmente me realiza é escrever.
E agora? Agora é a escrita. Sempre foi.
A escrita, ao fim e ao cabo, foi a única coisa que salvei do mar quando o nível de água no barco profissional me fez jogar fora tudo o que não era mais necessário.
O legado ético
O exemplo é tudo na educação. E nada é mais poderoso do que o entusiasmo para você educar e influenciar os filhos.
Para quem é novo por aqui, vale explicar: eu tenho dois filhos entrando na adolescência.
Duas personalidades absolutamente distintas a quem quero deixar um legado como pai. Dois meninos espetaculares que precisam me enxergar como uma das referências para navegar esse mundo, para navegar Bali.
E Bali nesse abacaxi?
Bali tem praia, tem abacaxi… Não, não é por aí. O Brasil também tem praia e abacaxi que não acaba mais.
O que Bali tem de diferente é a energia. Uma força absolutamente pacífica, algo que não se encontra tão facilmente por aí.
Eu odeio as idealizações midiáticas. Bali, para mim, está longe de ser o paraíso vendido no Instagram e naquela comédia romântica da Júlia Roberts.
Mas tem essa paz no ar. Isso é preciso admitir.
As pessoas não tentam te explorar; não existe energia violenta nas interações humanas. É o melhor daqui, muito além das praias, dos vulcões, dos arrozais.
Você vai ter de aceitar minha palavra. Não há foto ou vídeo no Instagram que possa te mostrar essa Bali de que falo.
Estou muito feliz em fazer parte de tudo isso de alguma forma.
Adorei a ideia e o texto!