#21 Quando o além bate à porta no meio da noite
Você abre os olhos? Ou os mantém firmemente fechados e pede para que o visitante inesperado vá embora?
Era noite de tempestade. Trovões no céu, vento desgovernado em todas as direções. A chuva batia na janela como se quisesse trazer para o quarto o desespero da tormenta.
Apaguei a luz, deitei na cama, fechei os olhos. Cai no sono profundo quase imediatamente.
Uma tempestade tropical. Mais uma. Incomum para abril, mas apenas mais uma chuva fora de época na ilha de Bali.
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Quem me acompanha aqui sabe. Sou cético. Não consigo acreditar na existência de nada que não seja matéria.
Veja, eu queria acreditar. De verdade. Queria ser capaz de ter fé. Talvez por ter nascido numa família católica praticante e ter sido ensinado desde pequeno a rezar e tudo mais que vem no pacote do batizado.
Racionalmente, porém, não consigo.
Eu sonhava um sonho estranho. Apresentava-se como uma revelação.
O conteúdo pouco importa. Interessa saber, apenas, que em determinado momento, eu despertei.
Não um despertar sobressaltado, de olhos abertos no vazio da escuridão, sentindo-se perdido por não reconhecer onde se está.
Foi um despertar leve, superficial.
Eu estava acordado, os olhos continuavam fechados, a consciência flutuando próxima à superfície, não totalmente desperta.
Foi aí que aconteceu a experiência mística.
Acreditar? Racionalmente, não acredito. Emocionalmente, porém, complica.
Sabe aquele ditado espanhol “Yo no creo en las brujas”? Então.
Ao longo da vida, tive algumas experiências perturbadoras. Vivências místicas para as quais não há explicação razoável.
A que deu origem a este texto é a mais recente. Aconteceu há algumas semanas. Mas agora vem a maldade.
Vou te deixar pendurada/o no suspense enquanto voltamos no tempo.
Se você tem medo de histórias desse tipo, pode me dar a mão. Eu nunca li Stephen King, nem assisto filmes de terror, por absoluto pavor do sobrenatural no qual não acredito.
Não sei precisar o ano. Éramos adolescentes? Talvez jovens adultos? Meu irmão e eu dividíamos quarto, dormíamos num beliche. Eu em cima, ele embaixo.
Eu sonhava que estava na casa da avó, aquela casa na Mooca onde eu passava as férias na infância.
Eu estava no quintal, mas não jogava futebol com os primos. Havia um espírito ali, pairando no ar.
Não um fantasma assustador. Uma espécie de espírito brincalhão. Não tinha forma física, nada. Era uma energia, mas eu sabia que estava ali. E estava me incomodando.
Cresci numa família católica com um pé no Espiritismo. A avó ia à missa todos os domingos, rezava todos os dias. Quando alguém ficava doente, porém, ela logo chamava em casa a Dona Maria do Calor.
Era uma benzedeira famosa na Mooca. Tirava encosto e quebranto.
Ela vinha com galho de arruda, rezava sobre o doente, começava a bocejar. Quando terminava, recomendava chá de ervas, algum unguento, e ia embora. Levava com ela o encosto.
De repente, no sonho, o espírito ficou irritante demais. Comecei a xingá-lo. Ele então puxou o meu pé. Eu senti o corpo deslizar e fui acordado pelo meu irmão:
— Estava sonhando aí? - ele perguntou, ainda deitado na cama de baixo.
Eu disse que sim. Eu o tinha despertado com a agitação do sonho? Não.
Esse não era o motivo dele ter me acordado.
Um dia, Dona Maria foi chamada em casa para ver o meu irmão.
Ele devia ter uns dois anos? Chorava sem parar, sem razão aparente. Ela o benzeu e ao terminar, avisou:
— Esse menino tem dons. Vocês terão de aprender a lidar com isso.
— Fica tranquilo que eu já mandei ele parar de mexer com você - explicou-me o irmão.
— O quê?
— O espírito que estava te incomodando.
— Como assim?
Meu irmão, então, narrou meu sonho inteiro. Em detalhes. Assim que terminou, voltou a dormir.
Eu, obviamente, não preguei mais o olho.
Na manhã seguinte, ele não se lembrava de nada.
Desde pequeno meu irmão tinha amigos imaginários. Conversava com pessoas que ninguém via. Fazia previsões assustadoras que se concretizavam.
Acordava aos gritos no meio da noite, às vezes se levantava e andava pela casa falando sozinho. No dia seguinte, nunca lembrava de nada.
Eu nunca soube o que fazer com aquilo. Eu via as coisas acontecendo com ele, mas racionalmente, não acreditava. A ciência e a psiquiatria poderiam encontrar muitas explicações para aquilo tudo, não é mesmo?
A segunda vez que me aconteceu não tinha sonho, nem irmão por perto.
Foi numa noite quente, na casa de praia em que a família havia passado todos verões da minha adolescência.
Eu era adulto. Dormia sozinho no quarto. Despertei sentindo calafrios que percorriam o corpo todo.
Não foi um despertar suave. Foi abrupto. Eu estava virado para o lado da janela e abri os olhos de uma vez.
A avó tinha morrido fazia um ano. De alguma forma eu sabia, ela estava lá. Tinha vindo me ver. Tive a nítida certeza: se eu virasse para o outro lado, talvez eu a visse no quarto.
Fechei os olhos, agradeci a visita, mas não me virei. Comecei a rezar, pedindo que fosse embora.
Depois de adulto, meu irmão procurou ajuda da medicina.
Bateria de exames de imagem, estudo do sono, o psiquiatra analisou tudo e veio dele a sugestão. Talvez meu irmão devesse buscar ajuda espiritual.
Ele e minha irmã mais nova frequentaram centros espíritas por anos. O que aprenderam foi importante no momento mais difícil da minha vida, que envolveu a luta com uma doença grave do meu caçula.
Um dia escreverei sobre isso, não hoje. É uma história longa, não cabe aqui.
Além disso, precisamos voltar à história principal, à terceira visita do além, há algumas semanas, aqui em Bali.
Eu estava acordado, mas o sonho continuou acontecendo. Não havia mais imagens, o sonho passou a ser narrado na minha cabeça.
Uma espécie de alucinação auditiva.
Em palavras, frases inteiras, uma voz descrevia as cenas. Como se fosse uma voz uma externa. Eu me assustei.
Agora eu estava totalmente desperto. A narrativa, porém, continuava. Como se alguém dissesse aquilo no meu ouvido. Ou dentro do minha cabeça. O meu cérebro tinha ganhado autonomia?
O medo se instalou e a voz percebeu. Parou de narrar e perguntou:
— Está com medo?
Meu corpo se arrepiou inteiro.
— Sim - respondi em pensamento.
— Quer que eu pare?
— Sim.
Eu estava deitado de lado na cama, sobre o meu braço direito. Quando pensei o segundo sim, um flash branco piscou no canto do meu olho esquerdo.
Piscou no quarto, ou dentro do meu olho? Não sei. Não tive coragem de abrir os olhos.
Os arrepios aumentaram, começaram percorrer o corpo todo.
Pela terceira vez, o cético que racionalmente não crê em vida após a morte, em nada além da existência terrena, teve a certeza de estar sendo visitado por alguma energia intangível.
Espírito? Fantasma? Divino? Força do além?
Não sei denominar. Tive a certeza, mas não abri os olhos.
Do que mais precisarei para recuperar a fé? Não sei.
E você? Tem histórias de interação com o além? Acredita? Não? Foi tudo um sonho, apenas? Um alucinação?
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Bem interessante. E um pouco assustador, né? Despertou alguma fé?
Eu tenho esse tipo de experiência de vez em quando, embora bem menos ultimamente.
Numa delas sonhei com meu pai deitado em uma maca num lugar branco (que lembrava um hospital, mas também uma mesa espírita) e nós três filhas em volta desse leito.
Lembro até hoje que eu estava em Fernando de Noronha de férias e logo que acordei liguei pra ele, mas achei melhor não contar o sonho...
Três meses depois ele se foi de morte súbita, um aneurisma da aorta que dissecou.
Eu acredito em espírito, numa dimensão além do físico, não em religião.
Quando levei dois tiros na perna direita, ao compltar 18 anos, vivi uma experiência de "vida pós-morte" que, anos depois, seria matéria de capa da revista NOVA. Um dia te mando o texto, que tenho guardado. Eu não sabia quem era Chico Xavier, nem espiritismo, nem Kardec ou umbanda, nada, nada. Mas o que eu vivi me fez crer na vida pós-morte pra nunca mais duvidar.